DOENÇA DE KAWASAKI



INTRODUÇÃO

Doença de Kawasaki (DK) é uma vasculite sistêmica aguda, autolimitada, de etiologia desconhecida1.



QUADRO CLÍNICO

  • Acomete principalmente crianças menores de 5 anos (80% dos casos)1, sendo mais frequente em meninos (1,8:1) e rara em neonatos1.
  • FASES DA DOENÇA:
    • Fase inicial aguda febril:
      • Duração de 10 a 14 dias1;
      • Presença de sinais inflamatórios, com elevação das provas de fase aguda1;
      • Observa-se anemia1, leucocitose1 e plaquetas geralmente normais baixas1;
    • Fase subaguda:
      • Duração de 2 a 4 semanas1;
      • Normalização das provas de fase aguda1;
      • Observa-se plaquetose1;
      • Pode ocorrer alterações em coronárias1.
    • Fase de convalescença:
      • Alterações de extremidades: edema endurado (angioedema) em dorso de mãos e pés com eritema em palmas e plantas1. A descamação das extremidades (em “dedo de luva”) ocorre no final da segunda semana de doença1.
      • Alterações dermatológicas:
        • Exantema: geralmente inicia-se no tronco e pode ser morbiliforme ou macular, geralmente não sendo bolhoso ou vesicular1. Frequentemente converge para a região perineal1.
        • Eritema e edema endurado, ou mesmo ulceração, no local da cicatriz da vacina BCG1,3.
      • Alterações orais: edema e fissuras labiais1, língua em framboesa1 e hiperemia mucosa difusa1,3.
      • Manifestações gastrointestinais: vômitos3, diarréia3, hidropsia da vesícula biliar3, colelitíase3,  elevação das transaminases2.
      • Manifestações cardiovasculares: insuficiência cardíaca3.
      • Manifestações urinárias: urerite3;
      • Alterações neurológicas: irritabilidade1,2, paralisia facial2, meningite asséptica3;
      • Manifestações articulares: artralgia1 ou artrite1;
      • Alterações oculares: uveíte1, conjuntivite bilateral não-purulenta3.



EXAMES LABORATORIAIS:

  • HEMOGRAMA COMPLETO:
    • Anemia (leve, na fase aguda)1,2, leucocitose (fase aguda)1,2, plaquetose (fase subaguda)1.
  • VELOCIDADE DE HEMOSSEDIMENTAÇÃO (VHS): elevado (na fase aguda)1,2, reduzindo na fase subaguda1.
  • PROTEÍNA C REATIVA (PCR): elevada (na fase aguda)1,2, reduzindo na fase subaguda1;
  • ALBUMINA: reduzida (fase aguda)2;
  • TGO e TGP: elevação1,2;
  • URINA I: leucocitúria1, proteinúria2;
  • LÍQUIDO CEFALORRAQUIDIANO: pleocitose mononuclear1;
  • ECOCARDIOGRAMA: o exame ecocardiográfico deve ser realizado  no momento do diagnóstico, após 2 semanas e após 6-8 semanas1. Pode apresentar alterações em coronárias, geralmente na fase subaguda (aneurisma de coronárias - 25% dos casos)1. Os aneurismas pequenos e médios geralmente regride, o que não ocorre com os gigantes (≥ 8 mm de diâmetro), podendo evoluir com estenose, aterosclerose e infarto agudo do miocárdio1. Pode ocorrer comprometimento valvular nas fases aguda e subaguda da doença, geralmente mitral e raramente aórtico1.



DIAGNÓSTICO


TABELA: CRITÉRIOS CLÍNICOS PARA O DIAGNÓSTICO DE DOENÇA DE KAWASAKI (CLÁSSICA)

Febre persistente por mais de 5 dias, associado a 4 das manifestações clínicas abaixo:

  • Alterações de extremidades;
  • Exantema polimorfo;
  • Alterações em lábios e cavidade oral;
  • conjuntivite bilateral, indolor e não-exsudativa;
  • Linfonodomegalia cervical unilateral e > 1,5 cm de diâmetro.

Observações: na presença de comprometimento coronariano e febre, menos que 4 critérios são necessários para o diagnóstico de doença de Kawasaki.

Fonte: SANTOS et al., 2017.


TABELA: CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA DE KAWASAKI INCOMPLETA

Diagnóstico de Doença de Kawasaki: Febre persistente por mais de 5 dias, associado a 2-3 das manifestações clínicas e 2 provas de atividade inflamatória elevadas e   ≥ 3  critérios laboratoriais suplementares.

Manifestações clínicas:

  • Alterações de extremidades;
  • Exantema polimorfo;
  • Alterações em lábios e cavidade oral;
  • conjuntivite bilateral, indolor e não-exsudativa;
  • Linfonodomegalia cervical unilateral e > 1,5 cm de diâmetro.

Provas de atividade inflamatória:

  • Velocidade de hemossedimentação (VHS);
  • Proteína C reativa (PCR).

Critérios laboratoriais suplementares:

  • Albumina ≤ 3 g/dL;
  • Anemia;
  • TGP elevada;
  • Plaquetose: plaquetas ≥ 450.000/mm3;
  • Leucocitose: leucócitos  ≥ 15.000/mm3;
  • Leucocitúria: leucócitos em urina ≥ 10/campo.
Fonte: SANTOS et al., 2017.



TRATAMENTO

  • INTERNAÇÃO HOSPITALAR1;
  • MONITORIZAÇÃO CARDÍACA CONTÍNUA1;
  • IMUNOGLOBULINA INTRAVENOSA (IGIV):
    • Tratar os casos com alta suspeita de doença de Kawasaki, mesmo que não preencham todos os critérios, o mais precocemente possível (preferencialmente durante a fase febril, dentro dos primeiros 10 dias de doença)1,3. Mesmo após o 10° dia de doença, com o atraso do diagnóstico,  a IGIV deve ser administrada nos pacientes com inflamação persistente (febre e elevadas concentrações de marcadores inflamatórios) com ou sem anormalidades das artérias coronárias3.
    • Após a administração de IGIV, a resposta é geralmente rápida com desaparecimento da febre e melhora do estado geral do paciente1. Se a febre persistir após 48 horas da medicação, repetir a IGIV1,2.
    • Posologia: 2 g/Kg/dose, IV, administrada em 10-12 horas2.
  • ÁCIDO ACETILSALICÍLICO (AAS):
    • No período febril:
      • Esquema de dose alta: 80-100 mg/Kg/dia1, VO, 6/6 horas2;
      • Esquema de dose moderada:
        • dose preferencial1;
        • 30-60 mg/Kg/dia1.
    • Após o período febril:
      • Esquema de dose baixa: 3-5 mg/Kg/dia até que a VHS e as plaquetas se normalizem1,3, durante toda a fase subaguda da doença (6-8 semanas) ou até que haja resolução das anormalidades coronarianas (marcadores inflamatórios se normalizem e o ecocardiograma não apresente anormalidades)2,3.
  • GLICOCORTICÓIDES (GC):
    • PREDNISOLONA: sua associação com a IGIV é benéfica em pacientes com doença de Kawasaki grave1. Pode ser utilizada como terapia inicial ou como resgate para os pacientes resistentes à terapia inicial1.
    • ANTI-TNF:
      • INFLIXIMAB: pode ser usado na doença de Kawasaki resistente1.



DOENÇA DE KAWASAKI NÃO-RESPONSIVA OU RESISTENTE A IGIV

Não há um tratamento definido para os casos de doença de Kawasaki que não apresentam melhora após a primeira dose de IGIV3. Entre as medidas terapêuticas aplicáveis nesses casos, temos:

  • IGIV: segunda dose com 1-2 g/Kg/dose, IV em 12 horas3;
  • Pulsoterapia com METILPREDNISOLONA (IVMP):
    • É útil no tratamento dos casos IGIV resistentes3;
    • Posologia: Metilprednisolona 30 mg/Kg/dia, por 3 dias3;
    • Pode ser empregado conjuntamente ou após a falha da segunda terapia com IGIV3.
  • BLOQUEADOR DO FATOR DE NECROSE TUMORAL-ALFA (TNF-α):
    • Podem ser administrados após a falência da terapia inicial com IGIV ou após a segunda dose de IGIV3.
    • INFLIXIMAB:
      • Tem efeito significativo na doença de Kawasaki IGIV resistente3;
    • ETANERCEPT:
      • Benéfico no tratamento da doença de Kawasaki IGIV resistente e como adjuvante na primeira dose de IGIV3.
  • ESTATINAS (Inibidores da hidroximetilglutaril coenzima A redutase):
    • Pode ser usada comoa adjuvante na terapia da doença de Kawasaki com lesão arterial coronariana3.
  • AGENTE CITOTÓXICO: CICLOFOSFAMIDA, CICLOSPORINA A ou METOTREXATE;
  • PLASMAFERESE ou troca de plasma: pode ser empregado tão logo que aumentos das frações de marcadores inflamatórios sejam encontrados após a primeira ou segunda dose de IGIV3.



COMPLICAÇÕES

  • DURANTE A FASE AGUDA:
    • Miocardite2;
    • Pericardite2;
    • Doença cardíaca valvar (geralmente regurgitação mitral ou aórtica)2;
    • Arterite coronária2.
    • Lesões da artéria coronária:
      • Infarto do miocárdio3;
      • Fístula de artéria coronária3;
      • Dilatação da artéria coronária3;
      • Aneurisma de artéria coronária3.
    • Trombose aguda de aneurisma, resultando em infarto agudo do miocárdio2.



ACOMPANHAMENTO

As crianças com aneurismas devem ser acompanhadas em conjunto com o cardiologista1. A maioria dos aneurismas coronarianos se resolve dentro de 5 anos do diagnóstico2.

A recorrência, embora rara, apresenta maior risco de doença coronariana1.



TABELA: MANEJO A LONGO PRAZO NA DOENÇA DE KAWASAKI
NÍVEL DE RISCO DEFINIÇÃO DIRETRIZES DE MANEJO
I Sem alterações nas artérias coronárias em qualquer estágio da doença Não é necessário AAS além da fase subaguda (6-8 semanas). Sem acompanhamento além do primeiro ano.
II Ectasia transitória das artérias coronárias durante a fase aguda O mesmo que o anterior, ou acompanhamento clínico com ou sem ECG a cada 3-5 anos.
III Aneurisma coronariano único de pequeno a moderado tamanho. AAS até que a anormalidade se resolva. Acompanhamento anual com ECG e ECO se < 10 anos de idade, e teste ergométrico a cada 2 anos se > 10 anos de idade.
IV Aneurisma gigante ou múltiplos aneurismas pequenos a médios sem obstrução AAS com ou sem varfarina a longo prazo com ou sem bloqueador dos canais de cálcio para reduzir o consumo de oxigênio miocárdico. ECO e ECG a cada 6 meses. Teste ergométrico e holter  anualmente.
Fonte: MIYAMOTO et al., 2012.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. SANTOS, M.C.; FRAGA, M.M.; PASSARELLI, C.M. & BARBOSA, L.: Doença de Kawasaki. In: SOCIEDADE DE PEDIATRIA DE SÃO PAULO: Recomendações - Atualização de Condutas em Pediatria, 79: 3-6, 2017.
  2. MIYAMOTO, S.D.; SONDHEIMER, H.M.; FAGAN, T.E. & COLLINS, K.K.: Doenças cardiovasculares. In: HAY JR, W.W.; LEVIN, M.J.; SONDHEIMER, J.M. 7 DETERDING, R.R.: CURRENT - Diagnóstico e tratamento - Pediatria. Porto Alegre, Editora McGraw Hill, 20° edição: 573-574, 2012.
  3. KUO, H.; YANG, K.D.; CHANG, W.; GER, L. & HSIEH, K.: Kawasaki disease: an update on diagnosis and treatment. Pediatrics and Neonatology (2012) 53, 4-11.